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terça-feira, 24 de março de 2009

Carta Imaginária

Meu caro amigo,
Tenho novas. Hoje eu morri. Estava atravessando a José Malcher com a Alcindo Cacela naquele ir e vir de carros, quando de repente surgiu uma S-10 prata e me atingiu em cheio. Bem que eu disse que alguém ainda ia morrer ali.
Foi engraçado.
Eu estava ali estirada ao chão e um monte de gente veio pra cima de mim. Como se já não tivesse bastado o carro. Pensei que de repente alguém daqueles tantos que se aproximaram fosse médico. Mas não. Estavam ali só por curiosidade ou ociosidade mesmo.
Olhava aquelas pessoas estarrecidas com o meu corpo estirado ao chão. Eu mantinha os olhos abertos. Acho que até ainda estava viva naquela hora.
De repente um rapaz de uns vinte e cinco anos pegou o celular e ligou, imaginava eu, para um hospital próximo. Na verdade ele estava ligando para um amigo explicando que chegaria atrasado.
Uma mulher de meia idade tirou o celular da minha bolsa e ligou para uma ambulância, enfim. Mas eu já tava morta mesmo. Não adiantaria nada. Continuei e continuaram ali.

Lembra daquela camisa rosa shock que você me deu e eu brinquei dizendo que só usaria essa camisa depois de morta? Eu estava com ela. Engraçado, né!?
Mas, sim, quando a ambulância chegou eu já tava começando a feder. Brincadeira. Você sabe que eu sempre fui cheirosinha e, aliás, a ambulância nem demorou tanto assim.Tentaram me reanimar, mas não conseguiram. Eu estava já agoniada de ver aqueles paramédicos me dando choques e eu saltando. Parecia um sapo. Que imagem feia.
Os curiosos de plantão ficaram tristes quando um senhor de cabelo branco anunciou a minha morte.Um rapaz muito bonito disse "que pena, tão jovem, tão bonita". Uma pena mesmo, não vou mais poder ficar com ele (rs).
Agora eu tô aqui no Renato Chaves e a minha mãe já está aqui. Diga a ela que não fique triste, eu estou bem. A morte é como uma estrada que ao fim tem uma curva.Para aqueles que não fizeram a curva lhes parece o fim, mas não é um bicho de sete-cabeças. Pelo contrário. É bom. Não sinto dor, me sinto leve.
Só o que me preocupa são as coisas inacabadas que eu deixei pra trás.

Você, por exemplo.
Sei que não lerás esta carta imaginária e que chorarás a minha partida, mas de uma forma ou de outra, sinto que só de pensar nessa carta do além eu estou de uma certa forma mais perto de você. Me desculpe pelo que fiz e pelo que deixei de fazer.

Com açúcar e com afeto,
sua eterna amiga.

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